A vida da morte
Ouvir chover não mais, sentir-me vivo;
o universo convertido em bruma
e em cima a consciência como espuma
por onde os compassados gestos erivo.
Morto em mim tudo quanto seja activo,
enquanto tudo a visão a chuva esfuma,
e lá em baixo o abismo em que se suma
da clepsidra a água; e o arquivo
desta memória, de lembranças mudo;
o ânimo saciado em inércia forte;
sem lança e por isso já sem escudo,
tudo à mercê dos vendavais da sorte;
este viver, que é viver desnudo,
- não é acaso já o viver da morte?
Miguel de Unamuno [trad. José Bento], Antologia de Poesia Contemporânea Espanhola (1985)
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