quinta-feira, 8 de março de 2007
[...EUGÉNIO DE ANDRADE...]
Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava, mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no meu tempo em que os meus olhos
eram realmente verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus
Eugénio de Andrade (1923-2005)
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2 comentários:
A coragem de assumir a degradação de um dos mais belos sentimentos... às vezes somos esse sentir...
E de forma tão eloquente e comovida.
Não pensámos, a princípio, neste poema, mas um outro muito menos conhecido, talvez até mais pobre, mas com o dístico que deveria ficar para a história.
Não sei se já o leu. De qualquer das formas não queremos estragar-lhe a surpresa de o ler pela primeira vez...
Obrigado pela visita e até breve,
Mov.Poesia.R
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